segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

LUTAS INGLÓRIAS, PASSAGENS E HIPOCRISIAS: O USO DA MORTE – E DA VIDA!


Há algumas semanas – duas ou três, nem sei – a Unidade em que trabalho sofreu intervenção. Não estava lá no dia – por Deus que não – mas tenho notícias do que foi: meus colegas foram impedidos de entrar em seu local – para mim sempre sagrado – de trabalho - aguardaram liberação extramuro. Havia “seguranças” na porta da sala da diretoria, onde só grandes autoridades (externas) entraram, de onde quando a autoridade máxima saía o fazia também escoltado.
Já acompanhei ações do GIR em minhas Unidades anteriores. Tenho orgulho delas! Demonstração de poder do Sistema Prisional e seus servidores. Em especial na última Unidade em que trabalhei, não havia corrupção, não havia indisciplina. As intervenções – solicitadas e agendadas pela DG – eram só um reforço de quem mandava ali nos raios: os ASP´s!
Dessa vez não foi assim. Meus honrados colegas ficaram de fora. Não imagino o que faria se fosse impedida de entrar em minha Unidade, mesmo que durante uma intervenção – absolutamente necessária, diga-se! Creio que não aceitaria quieta, creio que algum irmão teria de usar de força contra mim. Não acho que meus colegas de trabalho merecessem tal tratamento – ainda que a intervenção seja legal, oportuna e justa (mas deveras atrasada). Afinal, alguém não sabia o que ali acontecia? Descobriu-se só quando um colega foi recebido a balas por um ninja que trazia ilegalidades pelo alambrado da Unidade? Depois do tão falado disparo contra um servidor em serviço, depois que o novo Secretário da Pasta recebeu a visita do Sindicato, depois que foi exigida a solução, cabia uma ação teatralizada, como se ninguém soubesse de nada e o peso da vergonha fosse de quem ali trabalhasse, mesmo depois de tantos pedidos de ajuda? Me entristece esse fato, ainda que entenda o ato.
De trato em ato, em meio ao tempo passado despedi de uma grande colega, uma de nossas melhores e mais honradas guerreiras. Grande colega, grande mulher, com quem tive a honra de trabalhar. Pode haver quem concorde, quem discorde, mas não há quem não a respeite! Bom, houve quem não respeitasse. Houve quem usasse de seu frágil momento – e de sua família – para uso pessoal. Ainda que ela não quisesse, dissesse não, foi forçada ao desagrado da visita quando mais deveria ser poupada e respeitada. Lágrima de crocodilo em pleno século XXI - e num momento pessoal e familiar tão triste -  dá muita vergonha alheia! Não há visitei, não fiz cena, mas em alma a honro e carrego dela o que de melhor lembro, por que ela merece. Somos guerreiros, não desistimos nunca, e todo bom exemplo deve ser dignificado – pois acredito que ainda podemos mais.
Encerrando, há um lindo poema que conheci recentemente chamado Desiderata (do latim "coisas que são desejadas"), escrito por Max Ehrmann. Todo o texto é muito belo, mas seu final me toca e acalanta, razão pela qual retransmito aqui neste momento tão delicado:
“E mesmo que não lhe pareça claro, o
Universo, com certeza, está
evoluindo como deveria.

Portanto, esteja em paz com Deus,
não importa como você O conceba.

E, quaisquer que sejam as suas lutas
e aspirações no ruidoso tumulto da
vida, mantenha a paz em sua alma.

Apesar de todas as falsidades,
maldades e sonhos desfeitos, este
ainda é um belo mundo. Alegre-se.
Empenhe-se em ser feliz!”


É isso! Bom 2020 a todos! Sorrisos para nossas horas!





sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Pronto falei, filho da mãe!

Ontem ao deitar na cama, me peguei rindo da piada pronta: estava lembrando de um vídeo que recebi no Facebook, em que um parlamentar do Estado de São Paulo chamava de “vagabundos” alguns presentes naquela sessão na Assembleia Legislativa.
Tratava-se a sessão de votação da reforma da previdência dos servidores públicos estaduais. A plateia em questão eram servidores públicos em protesto à reforma. As ofensas, pelo que vi no vídeo mais completo hoje de manhã (o assunto não saíu da minha cabeça) era direcionado aos “líderes sindicalistas” (fala do deputado) presentes no ato, cuja “mamata ao dinheiro público seria cortada”.
A princípio, pensei, aquilo seria mimimi de político de direita com sindicato de esquerda. Mas, refletindo sobre o assunto, vejo o subtexto contido nessa bagunça e, sim, acabo me sentindo um lixo.
O tema em discussão para posterior votação era a reforma da previdência dos servidores estaduais. Portanto, quando o deputado teve um ataque de pelanca e disse que ia acabar com essa mamata com o dinheiro dos contribuintes sacrificados, com “esses privilégios”, não era de sindicalismo que ele se referia: era de serviço e servidores públicos.
Ao me deparar com essa conclusão que minha medíocre inteligência fez óbvia, eu respondo ao deputado quando pergunta “tá ofendidinho?” que sim, eu estou muito ofendida!
Já escrevi no texto “A insustentável leveza do serviço público” sobre orgulho em ser servidora pública, especificamente Agente de Segurança Penitenciária. Lá também falei sobre a peculiaridade, esforço e sacerdócio do serviço público. E lá até já escrevi sobre a austeridade que deve existir no cumprimento de deveres e no controle rigoroso e efetivo de tais cumprimentos. Então, hoje vou escrever sobre a culpa.
Me sinto culpada! Culpada, por nem ter a mínima idéia de quem seja esse deputado “Filho da Mãe” – nunca vi mais gordo. Estou errada! Errada como cidadã, principalmente. Como servidora pública e como cidadã, não devo ser alheia aos acontecimentos políticos e seus atores, sob risco de ser refém de idiotas completos, exibicionistas de modinha de internet e fake News. Se dependemos da política, devemos ser atuantes nela também, para que ao manifestarmos opiniões sobre a influência política em nossas vidas, não sejamos vistos como oportunistas – coisa que estou longe de ser, como minha carreira mostra e me orgulha.
Culpa! Sou culpada por não ter feito mais para que esse estigma do “vagabundo” não mais vagasse no imaginário popular, a ponto de ser tão bem explorado pelo filho da mãe. Também no texto citado, já escrevi sobre exigência do cumprimento das funções, o “fazer e exigir que façam”. Se por um lado a estabilidade do servidor público é garantia de que não será prejudicado quando atuar contra interesses superiores em defesa do Estado, tal estabilidade deve ser honrada com muito trabalho e sacerdócio – adoro essa palavra – pois sim, somos diferenciados. Em assim sendo, quando sou omissa aos que não honram o serviço público, deixo manchar a figura tão honrosa do servidor, de maneira que sou cúmplice da desídia que leva um deputado a estar em plenário e encher a boca para me chamar de vagabunda.
Por essas, não me sinto culpada quando atuei diretamente em punição e demissão a bem do serviço público de servidores que desonravam sua função pública, seus direitos, deveres e estabilidade. Tem que ser feito! O serviço público deve ser honrado pelos seus servidores, para que empenhemos dignidade e competência.
Portanto, quando um político chama servidores públicos de vagabundos, devo informar que vagabundo é justamente quem atua no controle do serviço público. Da mesma forma que o “privilégio da estabilidade existe”, existem deveras exigências que devem ser cumpridas. A legislação, em especial o Estatuto do Funcionário Público do Estado de São Paulo, aponta dos direitos e deveres do servidor, de maneira que tais devam ser rigorosamente aplicados. Se tem funcionário “vagabundo” é porque por trás tem uma liderança omissa em cobrança, pois legislação para controlar e punir tem. A legislação está longe de ser protecionista ao servidor público – diria que muito pelo contrário! E de novo falo do “parece que todo mundo está cansado: o servidor não quer fazer, seu superior não quer cobrar, os diretores esquivam-se. Um não mexe com o outro, e a vida segue: Morna, estagnada, inútil”.
Assim sendo, deveria ser proposto ao Estado (seu executivo e legislativo) o desafio não de enxovalhar seus servidores, mas de honrá-los com eficiência. Eficiência no controle da máquina pública. Eficiência em separar joio de trigo, ao invés de se aproveitar do balaio de gato que se formou. Eficiência em entender o que é o servidor público, as razões de seus direitos peculiares e de suas obrigações rigorosas. E que tal seja muito bem aplicado, para que haja o verdadeiro sucesso na gestão pública.
Por hora, esse circo criado para a discussão séria do desmonte do servidor público só me faz vergonha. Vergonha de quem atua, vergonha por termos deixado chegar a esse ponto. Vergonha da exploração da incompetência de gestão para sacrificar agentes públicos. Convenhamos, a culpa é minha da incompetência na aplicação da lei? Façam com que os artigos 241 e 242 do Estatuto funcione para que a máquina seja honrada. As mudanças necessárias não são as que estão em discussão!
Bora trabalhar! Bora ser ético e parar de ser oportunista.
Pronto falei, filho da mãe!

sábado, 16 de novembro de 2019

Cara a Cara!


Adoro assistir séries de TV. Adoro! Mas nunca fui muito favorável em assistir séries com temática prisional, visto que, primeiro, há sensacionalismo; segundo, não gosto de levar trabalho pra casa – seja lá em que aspecto for!
Ainda assim, não resisti aos comentários da série Vis a Vis (cara a cara em francês), na Netflix, e resolvi dar uma olhada (essa olhadinha está na quarta temporada). Um enredo irreal e envolvente, que está me fazendo querer saber o fim daquela bagunça. Claro que me provoca algumas reflexões: a primária, que acho que em todos provocaria, é a forma como o ambiente muda a pessoa. Não há como negar tal fato. Serve para homens, mulheres, presos, agentes... muda! O final da segunda temporada da série (que originalmente era para ser o encerramento, mas acabaram fazendo mais duas temporadas) traz uma frase muito interessante, aliás:  O líquido é um estado da matéria que muda facilmente e sua forma depende do recipiente em que está inserido... O corpo é 70% água. Como não pensar no assunto, não é mesmo? Qual o recipiente em que estamos inseridos?
Essa foi minha maior reflexão sobre o assunto: o “recipiente” em que estamos envolvidos. Fui reparando na série com um olhar um pouquinho mais técnico, o que já tinha um pouco observado passando em outras séries com temática prisional (Capadócia, Oz, Orange is the new Black): a participação ativa dos Agentes de Segurança no ambiente carcerário. Eles passam o dia entre os presos e presas, acompanham in loco suas ações. Atuam ativa e arduamente no aspecto disciplinar. Claro que é um ambiente muito além da nossa realidade. As estruturas prisionais são diferentes, há uma modernidade interessante, não se fala em superlotação, muito menos em falta de funcionários (que são super equipados!). Ainda assim, fico aqui pensando se nós (falo enquanto no sistema paulista) não estamos perdendo um pouco a identidade de nossa profissão.
Observemos a forma como ocorreu a automatização das celas (bom, observem a minha forma de ver como ocorreu a automatização das celas... rs). Fomos tirados, com alívio, do pavilhão habitacional (a proporção agentes x presos realmente não batia). Estamos agora do lado de fora, vendo os pavilhões habitacionais por uma janelinha e apertando botões. Às vezes eu me sinto meio excluída da equação prisional, me sinto meio disfuncional. Cadê o comando do agente? A capacidade de observar os presos, identificar lideranças negativas, conversar, impor. Ao sairmos do pavilhão, quem ganhou afinal? Retiramo-nos ou fomos expulsos?
Também penso em outras mudancinhas que me fazem refletir: já ouviram de seus diretores que está difícil remover presos? Houve um tempo que Diretor de Unidade era soberano em suas remoções de presos,  negociavam entre si, de maneira que as lideranças nunca “se acomodavam”. Mais para a atualidade, as remoções se mantiveram, mas solicitadas pelos Diretores às respectivas Coordenadorias, que são responsáveis pela definição dos destinos dos presos (o que considero um belo serviço estratégico de inteligência!). No “pós automatização” coincidentemente noto que aconteceu uma certa “restrição” às remoções. Me parece que lideranças não estão mais “correndo o sistema”, que as remoções estão “escassas”. As lideranças não se criam mais quando dado o espaço, ou isso não importa mais? Nós saímos dos pavilhões, corremos muito menos risco, mas deixamos um espaço para que a criminalidade impere? (Afinal, “onde o Estado não atua, a criminalidade impera”!). Fomos afastados dos Pavilhões Habitacionais, e agora os presos recorrem e ainda mais dependem e se subjugam às facções criminosas?
E quem ocupa nosso lugar? Quem está no comando? A medida que saímos, a “entidade religiosa” foi entrando. Ela tem espaço exclusivo para sua igreja já em várias Unidades Prisionais, recepcionam visitas nos fins de semana com café da manhã, financiam eventos aos presos (até aos funcionários, que cortesia!), e apresentam um certo poder decisório nas suas ações intramuros: eventos, filmes, cafés da manhã, aberturas da jornada da cidadania. Em prêmio, saímos na televisão (canal específico, claro!).
O bolo da cereja é a privatização do Sistema Prisional Paulista. Que coisa! Essa noite sonhei com o “acordo nacional” do Jucá. Acabei achando que a forma como foi garantida a nossa segurança foi um tiro no pé. Como vamos atuar nisso? O vis a vis, no final das contas, foi o meu “tapa na cara!”. As peças no tabuleiro continuam sendo movidas, resta saber se ainda sabemos jogar!


terça-feira, 12 de novembro de 2019

Refém!

Eis que então fui procurada para escrever sobre rebeliões e violência em Unidades Prisionais Femininas – já que tive experiência pessoal como refém em uma Penitenciária Feminina. Não sou feminista, sexista, mas também não sou falsa moralista. Gosto da ideia de um destaque às ações femininas no Sistema Prisional. Como minoria, nós Agentes que estamos ou estivemos em Unidades Femininas, por vezes somos vistas como uma exceção ou anomalia, como se fosse algo fora do pacote do sistema. Não é! Para quem não teve a experiência de trabalhar numa Penitenciária Feminina, creiam quando eu digo: trata-se de estruturação complexa, violência complexa, ações complexas. Nada é simples numa Penitenciária Feminina, nada é fácil, nada é delicado. É coisa bruta, sim senhor!  As sentenciadas são agressivas, abandonadas, carentes e, por vezes, muito violentas. É sempre um curto estopim controlando a bomba – “isqueirou”, explode! Mas não é essa a questão agora, ainda que a afirmação seja justificada pelo contexto do assunto.
Pois é, já fiquei refém! Contou-me uma colega que soube do fato por intermédio da minha mãe, que conheceu em uma reunião do Conselho de Segurança. Disse-me que ao comentar sobre o fato, minha mãe se emocionou e chorou ao lembrar da cena em que eu levava golpes na cabeça. Deve ser muito ruim descobrir que sua filha está nessa situação assistindo uma filmagem jornalística de televisão, que transmitia tudo ao vivo de um helicóptero. Imagino o quanto chocante seja e como isso marca.
Marcas! Alguns fatos prisionais causam marcas que “civis” talvez nunca sintam ou sequer imaginem que exista. Não saímos ilesos do sistema prisional, somos modificados por ele. O comentário da colega me fez pensar sobre algo que já havia refletido, mas deixado passar: essas modificações se estendem e refletem em nossa família, de maneira que talvez também a eles marquem. E isso é algo muito relevante que devemos discutir. As marcas, suas extensões e reflexos na nossa vida e na vida de quem não tem escolha (a escolha foi nossa e não de nossos entes).
Mas enfim, o texto é para falar sobre ser refém em uma rebelião num Presídio Feminino. Essa ênfase é necessária, visto que muitos pensam que mulheres não fazem rebelião, não são violentas, não provocam riscos. Olha, tenho algumas fotos e lembranças que mostram uma condição muito contrária ao imaginário prisional.
Vou resumir tudo em um momento: em fevereiro de 2006, com seis meses no sistema prisional, depois de muito apanhar na frente de testemunhas ilustres, Diretores, Coordenador da capital, GIR, lá estava eu, vestida com uniforme de presa, algemada, encapuzada, ajoelhada no pátio do pavilhão II da Penitenciária Feminina de Santanna, com uma faca firmemente posicionada no meu pescoço. Uma presa segurava a minha cabeça erguida e eu apenas ouvia a sua voz: “e aí, tá autorizado?”. Ali naquele instante eu não pensava mais se ia morrer, mas apenas torcia para que a faca estivesse boa e o corte fosse preciso, pra que eu não ficasse muito tempo estrebuchando no chão.
Dias depois do ocorrido, em atendimento com a psicóloga do Núcleo de Atendimento ao Servidor (naquela época havia um de verdade, com acolhimento real para esses momentos de crise), eu dizia que não entendia como eu estava viva. “Como assim eu não morri?”. Por um tempo, foi estranho viver após uma certeza tão cruel e iminente de morte. É disso que mais lembro, dessa sensação estranha de não saber mais o que eu estava fazendo ali. Disse a psiquiatra que era uma condição de pré Síndrome do Pânico. E falando nisso, me ocorre que não tive pânico em nenhum momento de refém. Estava cruelmente lúcida e calma. Não chorei, não gritei, não implorei, não abri a boca. Só não me perguntem porquê: não tenho lições ou conclusões para oferecer. E a vida seguiu.
Em 2012, depois de anos sem conversar sobre o assunto, estava sentada na mesa de reuniões na sala da Diretora da Penitenciária Feminina de Pirajuí, onde então estava em exercício, e comentei dessa cena da rebelião. A Diretora riu, mas eu percebi que era um riso de nervoso, de choque. O assunto surgiu porque ali também estava outra colega que estava no dia da rebelião, noticiando que foi refém. A risada desta não foi nem de nervoso, nem de choque. Ela achou engraçado eu ter dito que fiquei com medo de ficar estrebuchando.
É curioso falar sobre os desdobramentos de uma rebelião, depois de anos ocorrida. Olhar uma colega dizer que ficou refém sem ter ficado. Eu acho isso um fetiche tanto quanto estranho, meio doentio. Uma vez me disseram que em um de seus “depoimentos” ela disse que apanhou tanto que teve que fazer cirurgia para corrigir o rosto e colocar prótese dentária. Observo que quem de fato passou por uma situação em que ficou refém não se vangloria disso. Não somos heróis, não somos exemplos vivos de coragem ou sabedoria. E também não me acho a suprassuma por ter voltado a trabalhar e seguir carreira, como se isso fosse algo a ser elogiado. Não coloquei isso no meu Curriculum Vitae, nem carrego bandeiras ou ostentações. Não sou diferenciada por isso, nem aceitaria ser tratada de forma diferente, como se tal fosse um privilégio ou regalia. Não é!
Creio que quando a colega me pediu um depoimento, esperava algo mais acalorado. Talvez detalhes da luta do bem contra o mal, minha intuição ninja em perceber que algo estava diferente, as ações de negociação, o resgate. Talvez quisesse que eu demonstrasse o quanto as Unidades Femininas são também perigosas, que as presas são tão bandidas quanto os presos, e que Agentes de Segurança Penitenciária Feminina não são inferiores em sua valentia e garra – não são!! Mas acho que não sei muito falar de rebeliões e reféns como um ‘marketing’ para a categoria, uma mostra de quanto somos especiais. Nós somos especiais, homens e mulheres do Sistema Prisional, mas não por estarmos expostos a sermos reféns, a apanhar, a morrer. Somos especiais justamente porque, em maioria, conseguimos NÃO ser pegos. E isso é a minha maior razão de parabéns aos meus colegas Agentes.
Às colegas de Penitenciárias Femininas, guerreiras de fato em uma árdua carreira na qual parecemos invisíveis, minhas mais sinceras honras e homenagens. Mulheres garridas que dia-a-dia seguram o touro a unha, muitas vezes longe de casa, negligenciadas nas peculiaridades de mãe e esposa. Tudo isso fica para trás quando entramos de cabeça erguida num Pavilhão Habitacional, pois sabemos a relevância do que fazemos e nos sentimos orgulhosas disso. Parabéns e muito obrigada por continuar! Tenho orgulho de vocês – e de fazer parte disso!
P.S. Eu tinha razão: a colega não gostou do texto!


domingo, 3 de novembro de 2019

A insustentável leveza do ser-viço público

Tem um texto que adorei escrever e que vou deixar o link pra quem quiser dar uma olhada. Foi um grande desabafo do que penso e sinto - e a razão de eu ter a iniciativa deste blog. Acho que muita gente por aí tem também muito a dizer.

Porque o homem é um ser social!


“É evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário é um animal social. O homem é o único entre os animais que tem o dom da fala. Na verdade, a simples voz pode indicar a dor e o prazer, e outros animais a possuem, mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto”, já dizia Aristóteles.
Adoramos conversar, estar em grupo, demonstrar idéias e ideais. Sou capaz de jurar que, enquanto Agentes de Segurança Penitenciária, somos vidrados numa rádio ASP – sempre uma polêmica, uma novidade, um QTC, um QRU. O importante é sempre estar em movimento, conversando – e as vezes o o quê e o por quê nem é real ou prioritário, mas nos ocupa.
Somos ávidos por novidades e movimentos. Creio que o perfil de nossa categoria seja de grandes observadores – é o que a carreira nos exige mais. E já que muito vemos, também muito gostamos de falar, de expor, de desabafar e discutir. Temos o dom da palavra – e adoramos usar!
Trazendo tal característica ao mundo de hoje, estamos em grandes discussões digitais. Em todos os Estados, Agentes de Segurança Penitenciária mantém sites e blogs com informações sobre o Sistema Prisional, as lutas de classe, as boas pautas da carreira. Não vivemos mais em mundinhos isolados, em clãs, mas somos, arriscaria, uma classe que se forma em uníssono.
Aproveitando o dom da palavra, característica humana que esbanjamos, considerando o quanto adoro uma palavra escrita – só acredito no que está no papel -, resolvi criar este blog: um local para publicações do que vejo e o que meus camaradas dizem. Temos muito a dizer e não basta dizer entre paredes: é hora de darmos publicidade, autoria e autoridade ao que pensamos e falamos. Até porquê, o que não pode ser assinado não deveria também ser dito, não é mesmo?
Portanto, meus amigos, vamos expor! Vamos falar – no caso escrever! Eu vou com certa frequência, esperando que um amigo ou outro se interesse e pense no que falo. É importante pensar, concordante ou discordante, mas pensar. Pensar é uma ação das mais valiosas! E se alguém tiver vontade de escrever aqui também, mande seu texto para que seja publicado. Não penso num blog de notícias prisionais, mas num blog de idéias prisionais. Um blog pensante! Quem sabe dá certo?!
Ah, tava encerrando, mas lembrei de comentar porque escolhi esse nome para o blog: O Sisteminha. Creio que de tão crescido, o Sistema a que pertencemos se desmembra em pequenos sistemas, de maneira que somos completamente despadronizados. Somos sisteminhas que formam o Sistema. Será que estou certa? Isso dá uma boa conversa, não é? Bora lá!