Adoro assistir séries de TV. Adoro!
Mas nunca fui muito favorável em assistir séries com temática prisional, visto
que, primeiro, há sensacionalismo; segundo, não gosto de levar trabalho pra
casa – seja lá em que aspecto for!
Ainda assim, não resisti aos
comentários da série Vis a Vis (cara a cara em francês), na Netflix, e resolvi
dar uma olhada (essa olhadinha está na quarta temporada). Um enredo irreal e
envolvente, que está me fazendo querer saber o fim daquela bagunça. Claro que
me provoca algumas reflexões: a primária, que acho que em todos provocaria, é a
forma como o ambiente muda a pessoa. Não há como negar tal fato. Serve para
homens, mulheres, presos, agentes... muda! O final da segunda temporada da
série (que originalmente era para ser o encerramento, mas acabaram fazendo mais
duas temporadas) traz uma frase muito interessante, aliás: “O líquido é um estado da matéria que muda facilmente e sua forma
depende do recipiente em que está inserido... O corpo é 70% água”. Como não pensar no assunto, não é
mesmo? Qual o recipiente em que estamos inseridos?
Essa foi minha maior reflexão sobre o
assunto: o “recipiente” em que estamos envolvidos. Fui reparando na série com
um olhar um pouquinho mais técnico, o que já tinha um pouco observado passando
em outras séries com temática prisional (Capadócia, Oz, Orange is the new
Black): a participação ativa dos Agentes de Segurança no ambiente carcerário.
Eles passam o dia entre os presos e presas, acompanham in loco suas ações.
Atuam ativa e arduamente no aspecto disciplinar. Claro que é um ambiente muito
além da nossa realidade. As estruturas prisionais são diferentes, há uma
modernidade interessante, não se fala em superlotação, muito menos em falta de
funcionários (que são super equipados!). Ainda assim, fico aqui pensando se nós (falo enquanto no sistema
paulista) não estamos perdendo um pouco a identidade de nossa profissão.
Observemos a forma como ocorreu a
automatização das celas (bom, observem a minha forma de ver como ocorreu a
automatização das celas... rs). Fomos tirados, com alívio, do pavilhão
habitacional (a proporção agentes x presos realmente não batia). Estamos agora
do lado de fora, vendo os pavilhões habitacionais por uma janelinha e apertando
botões. Às vezes eu me sinto meio excluída da equação prisional, me sinto meio
disfuncional. Cadê o comando do agente? A capacidade de observar os presos,
identificar lideranças negativas, conversar, impor. Ao sairmos do pavilhão,
quem ganhou afinal? Retiramo-nos ou fomos expulsos?
Também penso em outras mudancinhas que
me fazem refletir: já ouviram de seus diretores que está difícil remover
presos? Houve um tempo que Diretor de Unidade era soberano em suas remoções de
presos, negociavam entre si, de maneira
que as lideranças nunca “se acomodavam”. Mais para a atualidade, as remoções se
mantiveram, mas solicitadas pelos Diretores às respectivas Coordenadorias, que são
responsáveis pela definição dos destinos dos presos (o que considero um belo
serviço estratégico de inteligência!). No “pós automatização” coincidentemente noto
que aconteceu uma certa “restrição” às remoções. Me parece que lideranças não
estão mais “correndo o sistema”, que as remoções estão “escassas”. As
lideranças não se criam mais quando dado o espaço, ou isso não importa mais? Nós
saímos dos pavilhões, corremos muito menos risco, mas deixamos um espaço para
que a criminalidade impere? (Afinal, “onde o Estado não atua, a criminalidade
impera”!). Fomos afastados dos Pavilhões
Habitacionais, e agora os presos recorrem e ainda mais dependem e se subjugam às
facções criminosas?
E quem ocupa nosso lugar? Quem está no
comando? A medida que saímos, a “entidade religiosa” foi entrando. Ela tem
espaço exclusivo para sua igreja já em várias Unidades Prisionais, recepcionam
visitas nos fins de semana com café da manhã, financiam eventos aos presos (até
aos funcionários, que cortesia!), e apresentam um certo poder decisório nas
suas ações intramuros: eventos, filmes, cafés da manhã, aberturas da jornada da
cidadania. Em prêmio, saímos na televisão (canal específico, claro!).
O bolo da cereja é a privatização do
Sistema Prisional Paulista. Que coisa! Essa noite sonhei com o “acordo
nacional” do Jucá. Acabei achando que a forma como foi garantida a nossa
segurança foi um tiro no pé. Como vamos atuar nisso? O vis a vis, no final das
contas, foi o meu “tapa na cara!”. As peças no tabuleiro continuam sendo movidas, resta saber se ainda sabemos jogar!
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