sábado, 16 de novembro de 2019

Cara a Cara!


Adoro assistir séries de TV. Adoro! Mas nunca fui muito favorável em assistir séries com temática prisional, visto que, primeiro, há sensacionalismo; segundo, não gosto de levar trabalho pra casa – seja lá em que aspecto for!
Ainda assim, não resisti aos comentários da série Vis a Vis (cara a cara em francês), na Netflix, e resolvi dar uma olhada (essa olhadinha está na quarta temporada). Um enredo irreal e envolvente, que está me fazendo querer saber o fim daquela bagunça. Claro que me provoca algumas reflexões: a primária, que acho que em todos provocaria, é a forma como o ambiente muda a pessoa. Não há como negar tal fato. Serve para homens, mulheres, presos, agentes... muda! O final da segunda temporada da série (que originalmente era para ser o encerramento, mas acabaram fazendo mais duas temporadas) traz uma frase muito interessante, aliás:  O líquido é um estado da matéria que muda facilmente e sua forma depende do recipiente em que está inserido... O corpo é 70% água. Como não pensar no assunto, não é mesmo? Qual o recipiente em que estamos inseridos?
Essa foi minha maior reflexão sobre o assunto: o “recipiente” em que estamos envolvidos. Fui reparando na série com um olhar um pouquinho mais técnico, o que já tinha um pouco observado passando em outras séries com temática prisional (Capadócia, Oz, Orange is the new Black): a participação ativa dos Agentes de Segurança no ambiente carcerário. Eles passam o dia entre os presos e presas, acompanham in loco suas ações. Atuam ativa e arduamente no aspecto disciplinar. Claro que é um ambiente muito além da nossa realidade. As estruturas prisionais são diferentes, há uma modernidade interessante, não se fala em superlotação, muito menos em falta de funcionários (que são super equipados!). Ainda assim, fico aqui pensando se nós (falo enquanto no sistema paulista) não estamos perdendo um pouco a identidade de nossa profissão.
Observemos a forma como ocorreu a automatização das celas (bom, observem a minha forma de ver como ocorreu a automatização das celas... rs). Fomos tirados, com alívio, do pavilhão habitacional (a proporção agentes x presos realmente não batia). Estamos agora do lado de fora, vendo os pavilhões habitacionais por uma janelinha e apertando botões. Às vezes eu me sinto meio excluída da equação prisional, me sinto meio disfuncional. Cadê o comando do agente? A capacidade de observar os presos, identificar lideranças negativas, conversar, impor. Ao sairmos do pavilhão, quem ganhou afinal? Retiramo-nos ou fomos expulsos?
Também penso em outras mudancinhas que me fazem refletir: já ouviram de seus diretores que está difícil remover presos? Houve um tempo que Diretor de Unidade era soberano em suas remoções de presos,  negociavam entre si, de maneira que as lideranças nunca “se acomodavam”. Mais para a atualidade, as remoções se mantiveram, mas solicitadas pelos Diretores às respectivas Coordenadorias, que são responsáveis pela definição dos destinos dos presos (o que considero um belo serviço estratégico de inteligência!). No “pós automatização” coincidentemente noto que aconteceu uma certa “restrição” às remoções. Me parece que lideranças não estão mais “correndo o sistema”, que as remoções estão “escassas”. As lideranças não se criam mais quando dado o espaço, ou isso não importa mais? Nós saímos dos pavilhões, corremos muito menos risco, mas deixamos um espaço para que a criminalidade impere? (Afinal, “onde o Estado não atua, a criminalidade impera”!). Fomos afastados dos Pavilhões Habitacionais, e agora os presos recorrem e ainda mais dependem e se subjugam às facções criminosas?
E quem ocupa nosso lugar? Quem está no comando? A medida que saímos, a “entidade religiosa” foi entrando. Ela tem espaço exclusivo para sua igreja já em várias Unidades Prisionais, recepcionam visitas nos fins de semana com café da manhã, financiam eventos aos presos (até aos funcionários, que cortesia!), e apresentam um certo poder decisório nas suas ações intramuros: eventos, filmes, cafés da manhã, aberturas da jornada da cidadania. Em prêmio, saímos na televisão (canal específico, claro!).
O bolo da cereja é a privatização do Sistema Prisional Paulista. Que coisa! Essa noite sonhei com o “acordo nacional” do Jucá. Acabei achando que a forma como foi garantida a nossa segurança foi um tiro no pé. Como vamos atuar nisso? O vis a vis, no final das contas, foi o meu “tapa na cara!”. As peças no tabuleiro continuam sendo movidas, resta saber se ainda sabemos jogar!


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